A transformação e a esperança de vida...
Naquela tarde ensolarada do dia 12/11/2005, enquanto me preparava toda entusiasmada para um “Baile a Fantasia” que iria acontecer naquela mesma noite, eu peguei o carro para ir à casa de minha prima terminar a nossa fantasia. Ao sair da casa de minha tia próximo da esquina, foi quando o acidente aconteceu, um caminhão grande veio a toda velocidade batendo do meu lado.
Eu uma jovem de 22 anos, cheia de vida, cursando o último ano de Faculdade em Araraquara na Uniara, curso de Nutrição, já fazendo estágio na Votorantim, uma empresa de celulose e papel na Unidade de Luis Antonio, perto de Ribeirão Preto-SP, tive a minha vida transformada e limitada.
O acidente foi muito grave, me deixou hospitalizada por trinta dias no Hospital São Francisco Clinicas em Ribeirão Preto-SP, 14 dias em coma numa UTI, por ter tido traumatismo craniano e fratura de mandíbula, onde passei por delicada cirurgia, também precisei fazer traque ostomia, ficando sem falar durante seis meses e sem andar durante três meses. Posso falar com muita sinceridade que fui muitíssimo bem atendida no Hospital São Francisco Clínica, não deixando nada a desejar com relação aos profissionais que me atenderam, os médicos neurologistas Dr. Hélio Sérgio, Dr. Rodrigo Costa, Dr. Gerson Reis, Dr. Isaias, entre outros, sem contar a equipe de enfermeiros, fisioterapeutas, que muito contribuíram para minha recuperação, sem contar que me tornei conhecida por todos no Hospital, basta citarem o meu nome Nárrala, e já se recordam do meu caso, como o nome é pouco comum contribuiu para ficar na memória de todos.
Já no Hospital começaram com as sessões de fisioterapia, enquanto eu não conseguia sustentar nem a cabeça, eu não falava e nem me lembrava de nada, até que um dia minha mãe falando comigo, perguntou se eu queria escrever para perguntar alguma coisa, eu dei a entender que sim ela pegou caneta e papel e com muita dificuldade consegui escrever umas poucas palavras. Perguntei o que tinha acontecido, e minha mãe explicou que estava tudo bem, e que tinha acontecido um acidente, logo perguntei pelo carro e ela me disse que o carro não tinha nenhuma importância (perda total), o importante era que eu estava ali junto dela e que teríamos uma luta muito intensa a partir de então. Perguntei pra minha mãe sobre o trabalho da Faculdade que deveria apresentar em dezembro, que por sinal éramos três alunas e eu já havia feito a minha parte, então as outras duas iam terminar e apresentar, também eu já havia cumprido minhas horas de estágios, por sorte, estava até sobrando horas.
Realmente minha mãe tinha razão e que luta... Uma luta árdua e constante de todos da família, desde o acidente até hoje, fui para casa no dia 13/12/2005, sai do carro carregada. Foi uma alegria imensa adentrar a minha cidade e a minha casa que estava toda preparada para me receber com muito carinho. Pude contar sempre com o apoio de minha mãe, não medindo esforços para se revezar em trabalhar e cuidar de mim, ficou uns dois meses sem condições de ir para o trabalho, mas em janeiro teve que ir recomeçando devagar; mas tinha que cuidar de mim que ainda estava com o traque ostomia e necessitava de cuidados, higienização da maneira como havia aprendido no Hospital.
Isso foram idas e vindas à Ribeirão Preto, para continuar com o tratamento, era médicos e médicos, exames e mais exames, neurologistas, cirurgiões, broncos copias, tomografias, eletro encefalogramas, Raios-X, Ressonância magnética, exames laboratoriais entre outros. Seguindo rigorosamente todas as orientações para melhorar o mais rápido possível.
A partir do dia seguinte de minha chegada, já tive início com a fisioterapia em casa, minha mãe contratou um fisioterapeuta (Fábio de Silos) que não me deu trégua, ele vinha todos os dias no começo até duas vezes por dia, sem deixar de vir por nada, finais de semana, Natal, Ano Novo, feriados, se precisasse faltar colocava logo outro em seu lugar, foi uma constante até ele me colocar de pé e começar a dar os primeiros passos, claro que também fiz a minha parte.
Pois quando cheguei tinham arrumado uma cadeira de rodas para mim e eu disse que não iria ser necessário, que não iria sentar nesta cadeira e não sentei, com apoio de minha mãe e de meu tio (Toninho) eu levantava e tentava a caminhar, este meu tio chegou a caminhar comigo me apoiando, me levou pra uma academia perto de minha casa e me colocou numa bicicleta para que pudesse dar umas pedaladas e assim eu fui tentando até ir melhorando aos poucos e o Fábio com sua persistência , em pouco mais de um mês eu já conseguia caminhar devagar, contando com apoio de alguém.
Também minha mãe contratou uma fonoaudióloga para vir em casa fazer os exercícios, mesmo antes de tirar a traque ostomia, teria que passar por uma cirurgia devido a uma estenose na traquéia, fato pelo qual não saia minha voz, então minhas amigas vinham me ver e eu escrevia tudo em um caderno para conversar com elas e com todos, até que minha mãe já me entendia, lendo meus lábios, mas as pessoas de fora não conseguiam então era na base da caneta e papel na mão.
Ligamos na Faculdade para saber sobre a apresentação do meu TCC, saber como iria fazer e o Reitor não quis saber , disse que teria que apresentar o trabalho, senão não poderia me formar. Através da professora Úrsula e Rita conseguiram que a apresentação fosse através do computador, como eu havia feito grande parte do trabalho não tive dificuldade, foi só estudar um pouco para relembrar e apresentá-lo, foi marcado para março/2006 a apresentação do TCC, fiz a apresentação digitando no computador com uma mão só e na presença de uma Banca, a Orientadora do Curso, minha mãe, uma amiga e meu primo Tiago, consegui tirar nota nove tendo sido aprovada. Só que não queria mais participar da colação e festas de formatura, pois estava sem falar, não podia por salto alto, não iria me sentir bem no meio dos outros formandos, chorei muito, já havia pago desde o 2º ano para poder participar de tudo, mas eu não me via participando da minha formatura no meu estado.
Como a Formatura, colação e Festividades estavam marcadas para o dia 25/04/2006, daria tempo suficiente para eu participar de tudo mas eu não queria, não foi fácil, houve muita resistência de minha parte, mas finalmente minha mãe e minhas amigas me convenceram. Fiz um vestido lindo, que tinha uma echarpe que disfarçava bem e não apareceu que eu ainda estava com a traque ostomia e com dificuldade para andar, mesmo assim quis colocar um sapato de salto nem que fosse somente naquele momento da entrada e meu tio me daria apoio para chegar até a cadeira, quando cheguei lá vi que realmente era impossível conseguir descer a rampa, pois era uma rampa escorregadia. Assim sendo, a mãe de uma colega se prontificou a ir buscar um sapato baixo e me emprestar, já que não era na minha cidade. Na hora da entrega do diploma ao invés de me direcionar a mesa para receber a professora veio até a mim entregar, enquanto isso minha mãe estava temerosa e apreensiva com medo que eu pudesse cair ao me levantar sozinha para receber o diploma, pois ainda estava andando com muita dificuldade. Eu chorei muito desde o início, foi emocionante, minhas colegas fizeram homenagem pra mim, e entregaram flores, no final não houve quem não chorasse.
No Baile mesmo sem conseguir andar, me sustentar direito dancei valsa com meu primo Tiago a festa foi muito linda, tirei muitas fotos, uma recordação que vou ter pra sempre e acho que me arrependeria se não tivesse participado, graças a Deus e a minha mãe que deu a maior força e fez com que aceitasse participar.
Logo após a formatura em maio fui para Ribeirão Preto e me internei novamente para fazer a cirurgia da traquéia, com Dr. Isaias Jordão cirurgião torácico, graças a Deus foi um sucesso, mas não gosto nem de pensar na longa noite que passei na UTI, agora eu tinha consciência, passei a noite olhando para o relógio e contando os minutos para que amanhecesse o mais rápido possível para sair dali e saber se realmente iria poder falar novamente, após longos seis meses, e graças a Deus pude ouvir novamente a minha voz, meio estranha no começo, mas melhorando devagar e com persistência e exercícios de Fono.
Desde então passei a fazer novas broncoscopias para acompanhar a evolução da cirurgia, de novo idas e vindas a Ribeirão. Nesta época também precisei fazer uma cirurgia em um dente que foi afetado no acidente, fiz enxerto ósseo e tratamento de canal numa tentativa de não perder o dente.
Sem esquecer é claro das fisioterapias que não podiam cessar. Após a cirurgia, pude iniciar um novo tratamento de Hidroterapia indicado por uma Fisioterapeuta daqui a Eliana, que tem a Clinica Fisioform em Tambaú, no início passei a ir três vezes por semana e atualmente duas vezes por semana. Com indicação da Eliana para aplicação de Botox em São Paulo com Dr. Botelho, fui para lá fazer avaliação e depois de um tempo conseguimos que fosse feito uma aplicação, que deu muito bom resultado, mas era muito difícil conseguir agendar e conseguir o medicamento.
Com a indicação do Dr. Rodrigo Costa, neurocirurgião, procurei pelo Dr. Cristiano Milani, neurologista e coordenador da Neuroactive, uma equipe de profissionais para reabilitação de pacientes com espasticidade da musculatura, devido a acidentes, AVC e outros, dentro do Hospital São Francisco Clinicas de Ribeirão Preto, não poderia ter acontecido coisa melhor, fui fazer uma avaliação com ele e disse que no meu caso a aplicação da toxina botulínica poderia dar bons resultados.
Com as aplicações e acompanhamento do Dr. Cristiano, ele aconselhou a procurar o ortopedista Dr. Leandro Guimarães, para avaliar o meu caso. Que após avaliação achou necessário fazer uma cirurgia para alongar ainda mais a musculatura e melhorar a qualidade da marcha. Lá fui eu novamente para o Hospital São Francisco, em setembro de 2007, passei por outra cirurgia desta vez na perna. Fiquei com a perna engessada durante dez dias e passei a usar uma órtese, que sempre odiei, mas segui direitinho por seis meses, usando tênis, pois esta órtese só dava pra colocar com tênis, e não gosto de tênis, só para academia, percebe ai o sacrifício que foi para mim. E também o sacrifício que foi o Dr. Cristiano me convencer a usar sapato baixo, pois antes eu só usava sapato de salto, demorou mas entendi que era para o meu bem. Hoje, mais consciente embora ache falta, entendo que é para o meu bem e não reclamo tanto, mas vivia reclamando por causa do sapato de salto alto.
Apesar de minha mãe, de meus amigos e parentes, sempre me darem forças para seguir em frente era e é muito difícil, pois minha vida mudou muito e muito rápido, resisti bastante, mas aceitei que precisava de ajuda, não estava mais agüentando segurar esta barra sozinha, foi então que minha amiga indicou fazer terapia com psicólogo que ela ia o Dr. Emerson Loureiro, de Porto Ferreira, no início foi complicado, sou meio reservada tímida, mas me ajudou muito. E ele vendo minha dificuldade de falar, e que isso me incomodava muito, indicou uma fonoaudióloga, conhecida dele, a Dra Juliana Poletti, de Porto Ferreira, especialista em motricidade orofacial, e resolvi procurá-la para fazer uma avaliação e tentar melhorar mais. Em seguida a algumas sessões , não só eu como todas as pessoas foram percebendo uma grande melhora na minha voz, passei a falar mais e melhor, de forma clara e todos passaram a me entender, isso mudou muito a minha auto-estima, que até então não gostava de falar, pois não me entendiam e tinha que repetir várias vezes, no telefone nem pensar.
Em seis meses de tratamento o resultado foi fantástico, ela tinha diferentes maneiras de trabalhar, filmando toda a evolução do quadro, que no final de seis meses, pude ver claramente no vídeo a mudança facial, a alteração da voz e conseqüentemente a retomada da auto-estima, atualmente ainda vou às sessões a cada quinze dias.
Com relação ao dente mencionado, fiz acompanhamento com RX s freqüentes, para observar a formação da estrutura óssea que a princípio havia mostrado bom resultado, após quase dois anos um novo RX veio mostrar que não houve o resultado esperado, necessitando assim de uma nova cirurgia, marcada para o mês de agosto próximo para extrair o dente, fazer novo enxerto ósseo, e implante do dente.
Atualmente, sempre fazendo as aplicações da toxina botulínica em diferentes músculos, obtendo resultados fantásticos, com melhora da marcha, e quadro de espasticidade no braço, posso me considerar uma guerreira por lutar sempre, lógico que tive maus momentos em que tive vontade de deixar tudo, mas logo me agarrava em uma força maior, Deus nunca me deixou desistir sempre esteve do meu lado, como também minha mãe e a equipe toda dos profissionais que me ajudaram chegar até aqui, que mais do que profissionais hoje são verdadeiros amigos.
escrito
Nárrala Marceli de Souza Perles
26/08/2009
A pessoa que viveu tudo isso,
E assim, dando um ótimo exemplo, de perseverança e fé,
Em seus objetivos.
sábado, 24 de outubro de 2009
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